sexta-feira, 16 de março de 2007

Tenho dó das estrelas

A preguiça pode levar à depressão. Este manifesto fez-me lembrar um génio que também era preguiçoso e que vivia cansado diáriamente. Este é um poema lindíssimo dele:
Tenho dó das estrelas Luzindo há tanto tempo, Há tanto tempo… Tenho dó delas. Não haverá um cansaço Das coisas, De todas as coisas Como das pernas ou de um braço? Um cansaço de existir, De ser, Só de ser, O ser triste brilhar ou sorrir… Não haverá, enfim, Para as coisas que são, Não morte, mas sim Uma outra espécie de fim, Ou uma grande razão – Qualquer coisa assim Como um perdão?
Fernando Pessoa

3 comentários:

Marta Bonifácio (Buni) disse...

a sério? Fernando Pessoa era preguiçoso? Não fazia a mínima ideia... achei que era preciso trabalhar muito (ou estar bebado) para se criar tantas pessoas numa só...

Sílvia Sousa disse...

Acho que até pode haver uma diferença entre preguiça e cansaço de viver (que era mais o que ele sofria, de tédio, de depressão). Mas essas depressões e o tédio de existir podem, também, ser uma consequência da preguiça. Preguiça de não fazer um esforço para melhorar de vida, preguiça de não lutar pela tal felicidade utópica que nos faz mover. Mas também acho que quem se apercebe que na verdade essa felicidade não passa de uma utopia (verdade quase tão certa como a morte) e que é apenas mais um ponto de equilíbrio que o ser humano encontrou para viver "bem" e com objectivos (imaginários), às vezes não consegue desenvolver um espírito crítico e humorístico em torno desta desgraça que é a nossa existência, acaba por se suicidar ou até mesmo viver assim... como o Pessoa, como muitos jovens da nossa geração... perdidos e entediados. Ora, o segredo está em ter consciência dessa nossa falha existencial que é encontrar motivos para a nossa existência quando a nossa simples existência já é um motivo. Para mim basta-me saber que já podia ter morrido e ainda não morri. Saber que existem coisas bonitas e simples. O segredo é olhar para as coisas simples e pensar que elas servem... quem tem preguiça de tentar chegar mais além não deve pensar nisso. Pode simplesmente pensar que essa felicidade que não existe, é. Ela pode ser sem existir... existir exige presença de matéria. ela está presente em todas as coisas, só que nós procuramo-la...e isso, já de si, é um erro. (isto bem pensado das duas, quatro: ou dá numa grande tese filosófica ou é refutado pelo primeiro leitor... que sois vós excelências) beijinhos

Sílvia Sousa disse...

Em relação ao Pessoa propriamente dito... Acho que ele era um grande preguiçoso... ora vê só este excerto do "Opiário":

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada!
Dessem Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

Escrevo estas linhas.
Parece impossível Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!
O fato é que esta vida é uma quinta
Onde se aborrece uma alma sensível.

Os ingleses são feitos pra existir.
Não há gente como esta pra estar feita Com a Tranqüilidade.
A gente deita Um vintém e sai um deles a sorrir.

Pertenço a um gênero de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.